(…) arte cuja tarefa, dizia Paul Klee, é “tornar visível o invisível”.
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Entre a mímica e a dança existe a mesma diferença que entre o conceito ( que resume o que já existe ) e o mito (que excede o que existe para sugerir um possível ).
A dança não conta uma história. Ela não é uma duplicação da literatura, nem aquele jogo infantil em que a mímica permite adivinhar a palavra escolhida. Como o mito, a dança é um indicador de transcendência.
Uma pantomima naturalista de um mimo de talento pode tornar presente para nós a realidade de uma árvore: a força de seu enraizamento, o impulso de seus galhos, o rumor da folhagem e o sopro do vento. Diremos: é uma árvore, e admiraremos, como uma façanha de virtuose, a imitação literal do objeto.
Mas podemos conceber uma dança que nos desvende, através do tema da árvore, uma maneira de viver o mundo: o movimento graças ao qual as raízes não param de extrair forças do universo para projetar ao céu ramos e flores, fecundar infinitamente a terra e respirar o céu. A árvore já não é uma coisa, mas um ato. E a dança que ela inspira terá o sopro da dança de Shiva. Despertará, no centro noturno de nós próprios, uma significação mais total e mais plena da vida, que se dilata até os confins do mundo e que experimentaremos diretamente em nosso corpo, em sua feliz plenitude. Pela dança, o corpo deixa de ser uma coisa para tornar-se uma interrogação.
Talvez seja esse o sentido profundo daquilo que, em sua Poética, Aristóteles chamou de “mimese”, o ato de nos tornarmos semelhantes ao que nos é exterior e nos ultrapassa. O dançarino de Bali ou o ator dançarino do drama nô japonês, como o coreuta da tragédia grega, como o celebrante do culto do vodu ou o que está possuído pelo transe em uma dança africana ou hindu, todos imitam ou personificam uma força, um herói, um deus. Seria um contrasenso empobrecedor conceber esta “mimese” no sentido estreito, positivista e naturalista, de imitação. Ao contrário, a “mimese”, implica que o homem experimente a existência, fora dele e ultrapassando-o, daquilo que deseja e para que tende. Como todas as suas forças retesadas, ele aspira a, rompendo seus próprios limites, ser-lhe semelhante e, na hora dourada do êxtase e da possessão, tem o sentimento de que se lhe identificou. Esquece-se de si próprio, ao participar da vida heróica ou divina da qual é o celebrante.
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A “mimese” é o esforço empenhado em tornar-se semelhante àquilo para que se tende, a tentativa de confundir-se, diz Shelley, com “aquela perfeição ideal e aquela energia que cada um experimenta como o modelo interior de tudo o que ama, admira ou gostaria de tornar-se”.
A “mimese” é então “metéxis”, participação, tal como esta é vivida em sua forma mais elevada na inspiração poética ou na comunhão sacramental. Implica que, pelo ato de criação artística, de amor ou de fé, venhamos a transcender nossos próprios limites para ficarmos “fora de nós”.
A dança, como toda arte, é comunicação do êxtase. É uma pedagogia do entusiasmo, no sentido original da palavra: sentimento da presença de Deus e participação no ser de Deus.